Disse Pedro Calmon
(História do Brasil, 1º
vol. Introdução) que já se tornou possível a revisão integral da história
brasileira em virtude de recentes, vastas e profícuas pesquisas nos
cartulários que escondiam a nossa riqueza arquimística (sic).
A citação vem a
propósito da seguinte pergunta: quem comandava as treze naus que em 22 de
abril de 1500 aportaram em terras de Vera Cruz (depois Brasil)? Não há
discrepância entre os historiadores: Pedro Álvares.
Quem era esse cidadão?
Pedro Calmon: “O homem chamado por D. Manuel
para capitão-mor da armada de 1500 pertencia ä melhor gente da Beira. Nascera
em 1467, filho de Fernão Cabral, dos galantes
espelhos -
como se vê do Cancioneiro de Rezende - um dos governadores daquelas terras, e
da rica senhora D. Isabel Gouveia, também de boa cepa portuguesa. O pai andara
nas guerras contra os mouros e castelhanos em companhia de Afonso V, cujo
sucessor, D. João II, deu serviço na corte a alguns dos seus dez filhos. Pedro
Álvares obteve uma tença (pensão periódica) - que lhe
confirmou D. Manuel em 1498 -
o foro de fidalgo do Conselho de Sua Alteza e o hábito de Cristo” (ob. Cit.
Pág. 43).
Esclarece, também, outro historiador de renome,
José Francisco ROCHA POMBO: “Era Pedro Álvares filho de Fernão Cabral e de D.
Isabel Gouveia, ambos pertencentes a alta nobreza do reino. Seu pai exerceu
altos cargos na província da Beira e ele próprio era governador daquela
província. Nascido em Belmonte por cerca de 1467. Na carta régia que o nomeava
capitão-mor das Índias ainda se lê Pedro Álvares de Gouveia. O patronímico só
foi usado pelo descobridor do Brasil depois do falecimento do primogênito,
pois Pedro era o 2º
filho de Fernão Cabral “ (História do Brasil ilustrada, vol. I, pág. 147, Editora Rio – Maio 1905) “.
Um terceiro historiador
comenta: “ Numa deferência toda especial a Vasco da Gama, que revelou
ao mundo as rotas que iam á Índia, el-rei o consulta. Com aquela discrição
possível que tanto se ajustava aos planos reinóis, imposta, aliás, pela
natureza intrínseca da embaixada marinheira, Vasco Da Gama, entre hábil e
orgulhoso, como se no momento estivesse no chapiteu de sua nau capitânea,
desdobra os seus mapas antes os olhos embevecidos do monarca astuto, e indica
para comandante da esquadra um nome ainda obscuro: Pedro Álvares de Gouveia.
Portador de alta e respeitável linhagem, inteligente e idealista, porte
heráldico e fisionomia a um tempo grave, simpática, Pedro Álvares de Gouveia
recebe, antes dos 25 anos, os foros de fidalgo do Conselho de D. Manuel,
sucessor de D. João, juntamente com o hábito de Cristo e uma tença anual de
13.000 reis, metade da que fora outorgada pelo monarca anterior a ele e a seu
irmão primogênito, João Fernandes Cabral, no total, portanto, de 26.000 reis.
Por outro lado, o sobrenome Cabral só lhe foi acrescentado depois da morte do
irmão mais velho, João, pois era costume somente o primogênito usar o
sobrenome paterno, usando o segundo filho o sobrenome materno” Maurílio de
Gouveia – de Belomonte a Vera Cruz, págs. 19, 26, 27).
Historiadores estrangeiros assinalam: “...Aliás
a carta régia de nomeação do capitão-mor da Segunda armada da Índia não está
passada em nome de Pedro Álvares Cabral, mas sim de Pedro Álvares de Gouveia
porque seria nessa altura mais conhecido pelo seu apelido materno o filho do
Gigante da Beira, alcaide-mor do castelo de Belmonte, cujo morgado é que
usaria o nome de verônica da família: João Fernandes Cabral” (Leone Metzer -
Grandes biografias, Pedro Álvares Cabral -
Editora Artes, Lisboa 1968, pág. 24).
Antônio Pedro de Souza Leite -
Portugal -
em “Novos Elementos para o Estudo da Grande Família dos Gouveia Humanistas”.
“... Isabel de Gouveia casou com Fernando Cabral em 1464, sendo pais de João
Fernandes Cabral e Pedro Álvares Cabral, chamado Pedro Álvares Cabral e Pedro
Álvares Cabral, chamada Pedro Álvares de Gouveia na carta capitânea que levou
quando foi enviado às Índias e descobridor do Brasil. Assim, uma família que
contasse entre seus membros altos representantes do movimento intelectual da
época, seria, visto por isso, uma família notável. Porém, se a par de tais
personagens, ostentava ainda a figura de um navegador célebre, descobridor de
um novo continente, então essa família era sem dúvida constituída por gente
excepcional, cujo contributo para a civilização européia dificilmente se pode
avaliar. Este é o caso dos Gouveia, estirpe por ventura única no grande painel
da nossa história, a qual igualmente pertence Pedro Álvares Cabral ou Pedro
Álvares de Gouveia, como também se chamou em determinado período de sua vida.
Pedro Álvares usou, de fato, primeiramente o nome de Pedro Álvares de Gouveia
e assim aparece designado pelo menos em dois importantes documentos de
chancelaria: uma carta de 1497, pela qual el-rei D. Manuel lhe concede a
separação de uma tença que fruía em conjunto com seu irmão João Fernandes
Cabral (Chacelaria de D. Manuel, livro 27, fl. 76, publicada na História da
Colonização Portuguesa do Brasil, vol. I, pág. 18) e a carta de capitão-mor e
poderes que levou quando foi enviado às Índias. (Chancelaria de D. Manuel,
livro 13, fl. 10, publicada por Ayres de Sá em “Frei Gonçalo Velho”, vol. I,
pág. 283), na célebre viagem de que resultou a descoberta do Brasil. Trinta
anos depois do descobrimento da Terra de Vera Cruz, já depois da morte do
navegador, será ainda um Gouveia, seu primo segundo, o célebre Diogo de
Gouveia, o Velho, quem por escrito aconselhará D. João II sobre a maneira e a
necessidade de serem colonizadas e evangelizadas as “terras ocidentais”, de
que Pedro Álvares tomara posse para a Casa de Portugal.
Luiz de Mello Vaz de Sampaio (Subsídios para uma
Biografia de Pedro Álvares Cabral, pág. 229 -
1920) é incisivo: “Tença cujo recibo passado em 10 de janeiro de 1517 está em
nome de Pedro Álvares Cabral de Gouveia, é como se quisesse eliminar qualquer
dúvida de que era a mesma pessoal que fora sucessivamente conhecida com um e
outro apelido. (Documento inédito recentemente encontrado na Torre do Tombo
pela conservadora do Arquivo, Dra. Maria José Liote da Silva Leal).
Portanto, a descoberta do Brasil se deu por
pessoa que, documentadamente, se chamava Pedro Álvares de Gouveia. Pedro
Álvares Cabral só apareceu em 1508 quando faleceu João Fernandes Cabral, ou
mesmo em outra hipótese, após 22 de abril de 1500.
A carta régia, escrita pelo amanuense Antônio
Carneiro, diz em sua introdução: “... pela muita confiança que temos em Pedro
Álvares de Gouveia, fidalgo de nossa Casa, e por conhecermos dele que nisto e
em toda outra causa que lhe encarregarmos nos saberá mui bem servir e nos dará
de si uma boa conta e recado, lhe darmos e encarregarmos a captânea-mor de
toda a dita frota e armas”.